O evento acontece de 3 a 7 de setembro, no site www.cineop.com.br, com programação estruturada em três temáticas: preservação, história e educação
A 15a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto se reinventa e adapta sua programação para o ambiente digital, assegurando a realização do evento, entre os dias 3 e 7 de setembro de 2020. O propósito e o conceito do evento, o espírito do encontro, a valorização do patrimônio audiovisual e a atenção à formação de novos olhares para a produção do país permanecem intactos, adequando-se ao contexto atual e prezando a saúde e a integridade de todos os participantes, sejam convidados e público.
O tema central da 15a CineOP é “Cinema de Todas as Telas” e propõe refletir o momento atual mundial, em que a revolução da tecnologia da informação, a transformação dos hábitos culturais, a multiplicação de canais, plataformas, redes e serviços interativos dão o tom da complexidade dos desafios do mundo contemporâneo e globalizado. A coordenadora geral do evento, Raquel Hallak acrescenta “Mais do que nunca precisamos estar atentos e imbuídos do propósito de salvar as nossas imagens e reconhecer a sua importância como matéria-prima de cidadania”.
Pensado de forma ampla, a temática será desdobrada em três temáticas específicas do evento: Preservação, História e Educação. Em cada uma, as curadorias propuseram reflexões que dialogam com o cenário atual de distanciamento social – em que as pessoas têm sido orientadas a permanecerem em casa – e suas consequências sob a recepção, a memória e o aprendizado na perspectiva audiovisual.
A pandemia modificou drasticamente o cenário de produção, preservação e acesso ao audiovisual. Provocou a descontinuidade temporária de novas produções e pesquisas, suspensão de atividades presenciais das instituições de guarda e fechamento de centros culturais e salas comerciais de exibição. Os meios digitais online se impuseram de maneira inédita para atender a uma demanda global de conteúdo, seja entretenimento, reflexão, resgate ou aprendizado.
Apesar de não se fixar fisicamente na cidade histórica na qual o evento acontece anualmente, a Mostra segue com Ouro Preto, Patrimônio Histórico da Humanidade, como fonte de inspiração e conexão, mantendo os vínculos na cidade, através da parceria cultural firmada com a Universidade Federal de Ouro Preto, contratação de bandas locais, oferta de sessões cine-escola, realização da Mostra Valores com exibições de filmes produzidos pela TV UFOP e ações de interação visando dar visibilidade à cidade.
Temática histórica
Na Temática Histórica, assinada pelo curador Francis Vogner dos Reis, o enfoque será o tema ” Televisão: o que foi, o que é e o que ainda pode ser” visando provocar uma reflexão entre o cinema brasileiro e a Televisão, no ano em que a TV brasileira comemora 70 anos. Ao longo das décadas, a TV foi um campo insuspeito de experimentação, especialmente nas realizações de nomes como Jean-Luc Godard, Rainer Werner Fassbinder, Alexander Kluge, Alfred Hitchcock, Roberto Rossellini e Jean Renoir – todos eles figuras essenciais no cinema. A TV não é, como se convencionou, um espaço só de banalidades e futilidades. A questão, em se tratando de Brasil, é que o cinema estrangeiro e a telenovela constituíram o imaginário de várias gerações que tiveram na TV o seu principal meio de consumo de imagens, assim como os telejornais foram os principais mediadores das narrativas históricas, política e social do passado e do presente no país.
No ano que a TV brasileira completa 70 anos, a CineOP propõe refletir sobre formas de disputar esse território do audiovisual e seu modelo ainda forte e hegemônico, tanto no que diz respeito à produção e ao direito à informação, à expressão do imaginário e da representatividade comunitária e regional, quanto em relação à educação (como as TVs públicas, fortes mundo afora), à abertura a novas experimentações com a tecnologia audiovisual e à difusão livre e diversa de nossos bens culturais.
Destaque temática histórica – produtora TV Tudo
O destaque da Temática Histórica em 2020 será o trabalho desenvolvido pela TVDO nos anos 1980. O grupo formado por quatro estudantes de Cinema e três de Televisão se reuniu a partir da exposição Multimedia Internacional, mostra dedicada aos meios eletrônicos organizada por Walter Zanini em 1979. Um ano depois, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes e Paulo Priolli criam a TVDO. Quatro anos depois, Pedro Silveira se incorpora ao grupo. São apadrinhados por Antonio Abujamra e realizam ou participam de programas independentes, como “Bvcetas Radycaiz”, “Mocidade Independente” (com Nelson Motta), e “Radar” transmitidos em vários canais.
“A TVDO (ou TVTudo, como costuma ser chamada) fez parte de um projeto experimental e subversivo da ascensão do vídeo que combinada as artes visuais com a linguagem da TV. Estava entre o campo da videoarte e o da comunicação”, define o curador, Francis Vogner.
Temática preservação
A dupla de curadores José Quental e Ines Aisengart Menezes propõe este ano o conceito de “Patrimônio Audiovisual: Acervos em risco e novas formas de difusão”, tendo por eixo a produção televisiva como elemento central na formação cultural da sociedade brasileira. Apesar de formar parte essencial da nossa memória imagética, pela sua maciça e constante produção há 70 anos, é inevitável também reconhecer o malogro nacional na preservação do patrimônio televisivo. Acervos desmantelados, dispersos, leiloados e escamoteados formam uma triste tradição. A situação vem desde a TV Tupi, primeira emissora do país, fundada em 1950 e em atividade até 1980: parte de seu acervo está sob a guarda da Cinemateca Brasileira, em crise há anos.
“Ao longo das últimas sete décadas, o desenvolvimento tecnológico e a adoção de novos formatos e fluxos para gravação, reprodução e arquivamento têm como consequência um colossal desafio para a gestão e preservação dos conteúdos”, comentam os curadores da Temática Preservação. “O patrimônio televisivo é constituído por películas 16mm, 35mm, fitas magnéticas diversas e, mais recentemente, o digital, com conteúdos distintos em finalidades e formatos (humor, teledramaturgia, jornalismo, entretenimento infantil), além de campanhas publicitárias e versões brasileiras de obras estrangeiras”.
Como se percebe, então, o desafio de pensar a preservação em âmbito televisivo é infinito e cheio de possibilidades. Uma das dificuldades, consequência desse contexto digital em relação à difusão, é a presença diminuta da produção audiovisual brasileira nos catálogos de plataformas comerciais de conteúdo sob demanda. Isso reforça a obliteração de obras do passado no repertório cultural e amplia a dificuldade de acesso, visto que trabalhos do passado só aparecem timidamente em plataformas de conteúdo lançadas por arquivos e cinematecas ou outras formas sem os devidos controles legais, como YouTube e sites de compartilhamento.
Diante do cenário catastrófico que se avizinha com o desmantelamento das políticas de cultura do governo federal nos últimos anos, a CineOP vai levar para o debate questões sobre ações específicas e mudanças significativas na valorização do patrimônio audiovisual e das instituições, que dependem de uma transformação da dinâmica entre os distintos agentes que atuam na cadeia produtiva e no ensino do audiovisual.
Temática educação
No Encontro da Educação – XII Fórum da Rede Kino: Rede Latino-americana de Educação, Cinema e Audiovisual, que anualmente reúne na CineOP educadores do país inteiro para discutir e apresentar metodologias de ensino através do audiovisual, os formatos remotos de aprendizado estarão em pauta. A educação foi um dos setores mais diretamente afetados pela pandemia, com milhares de alunos de todas as idades isolados da escola para evitar aglomerações e contatos pessoais. Uma constatação das curadoras Adriana Fresquet e Clarisse Alvarenga é que o confinamento expôs a assimetria de condições sociais, econômicas e sanitárias da sociedade brasileira, o que naturalmente é atravessado pela questão escolar.
A proposta da Temática Educação, que assume este ano o recorte “Telas e Janelas: Tempo de cuidado, delicadeza e contato”, é refletir como o cinema tem estado, como nunca antes, tão presente nas diferentes telas que circulam em boa parte dos espaços, sejam domésticos ou públicos. As janelas foram resignificadas e se tornaram um novo marco de enquadramento, por onde se vê o mundo de modo direto (porém à distância) e por onde ainda é possível registrá-lo.
O Encontro de Educação deste ano, então, parte da percepção de que é ainda mais fundamental a presença docente para orientar os recortes das informações, programas, filmes, seriados e jogos que circulam nas redes e chegam aos educandos. Esse novo trabalho de seleção – que é também uma forma de curadoria de acervos impressos, digitais e audiovisuais – torna o papel docente nessa pandemia mais potente e insubstituível na relação com o conhecimento disponível na web.
Uma ideia que permeia a Temática Educação em 2020 é investigar a produção e apropriação sobre os arquivos de som e de imagem dos diversos grupos sociais a partir do conceito de soberania digital e a importância de se tratar, de maneira emancipadora, a relação de diferentes grupos com as suas próprias imagens.
Destaque temática educação – Ailton Krenak – liderança indígena, escritor, filósofo
O destaque da Temática Educação será o escritor, ambientalista e filósofo Ailton Krenak, uma das principais lideranças indígenas no Brasil. Figura presente nos mais importantes debates da cultura e política do país nas últimas décadas, Krenak segue como uma voz fundamental. Fez história em 1988, quando integrou a Assembleia Nacional Constituinte e, numa performance que reverbera até hoje, subiu à tribuna do Congresso e discursou contra os retrocessos das políticas indigenistas enquanto pintava o rosto com tinta preta de jenipapo.
Ao longo dos anos, Krenak esteve em diversas experiências audiovisuais no cinema, na televisão e nas redes sociais. Uma de suas defesas é que as telas também precisam ser demarcadas como um “território indígena”, no que ele reconhece a importância da produção e circulação das imagens para a pauta do movimento indígena. “A partir dessa postura que ele vem tomando, queremos pensar sua própria história e reconstruir a transição dele da TV para o vídeo e para o cinema e para as redes sociais sob o ponto de vista dele”, explica Clarisse Alvarenga, uma das curadoras da Educação.
Em seus últimos trabalhos escritos, Krenak prega “adiar o fim do mundo”, apontando que núcleos marginalizados ainda dependem da relação com a terra. “São aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina: caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes”, reforça a curadora, que acredita que olhar para essas ideias vai amplificar, na CineOP, as discussões sobre aberturas de telas e janelas.
Para mais informações, acesse www.cineop.com.br