Mostra de Cinema tem programação gratuita entre os dias 3 e 7 de setembro e mantém o formato do evento como sempre acontece na cidade histórica mineira, em recortes do Cine Vila Rica, Cine-Praça e Cine-Teatro
Realizada em ambiente virtual devido a pandemia, a 15a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto conta com vasta programação gratuita, incluindo 102 filmes (14 longas, 12 médias e 76 curtas), de 15 estados (AL, BA, CE, DF, ES, GO, MG, MS, PE, PR, RJ, RN, RS, SC e SP) e dois países (Brasil e Argentina), divididos em 33 sessões. Pela ausência dos encontros presenciais, as sessões vão acontecer no site cineop.com.br, mas a produção da mostra se preocupou em reproduzir a estrutura do evento, com cada temática (Histórica, Preservação e Educação) contando com uma grade de filmes acompanhada de debates, comentários e outras atividades complementares que enriquecem a experiência de participar do evento, mesmo à distância. Confira a seguir a estrutura das mostras.
Mostra História
A televisão completa 70 anos de transmissão no Brasil, e a CineOP vai refletir de que maneira um veículo de comunicação de massa efêmero e dispersivo teve, ao longo do período, momentos de invenção e ousadia que permanecem referenciais no audiovisual. O recorte feito pelo curador Francis Vogner dos Reis atravessa os últimos 40 anos com objetivo de pensar parte da intrincada trama que nos trouxe até este momento político, social e midiático em que estamos.
Assim, o destaque é de programas e iniciativas que quebraram a linguagem mais convencional trabalhada pela TV nesses anos todos. Produções feitas para consumo doméstico que, de tão singulares, hoje soam como criações modernas e de vanguarda. Um caso forte é a atuação de cineastas com trajetórias importantes na televisão no fim dos anos 1970 e início dos 80, em especial no “Globo Repórter” entre 1975 e 1979. A CineOP vai resgatar duas reportagens dessa época que se tornaram marcos: “Theodorico, o Imperador do Sertão” (1978), de Eduardo Coutinho; e “Wilsinho Galiléia” (1978), de João Batista de Andrade.
Outro exemplar diretamente dos canais abertos, “Os Arara” (1980-81) seria um documentário para a TV Bandeirantes, mas o diretor Andrea Tonacci se desentendeu com a emissora. O projeto permaneceu e se tornou referencial na abordagem de comunidades e vivências indígenas e no impacto da Transmazônica em grupos isolados.
Destaque especial da Mostra Histórica em 2020, a TVDO foi iniciativa de um coletivo de São Paulo que apostou na radicalidade estética, em sua condição de vídeo, na suspensão de fronteiras entre arte, comunicação, cinema e poesia, na metalinguagem e no humor corrosivo e disruptivo. Os vídeos selecionados para o espectador conhecer a TVDO são: “Mocidade Independente” (1982), episódio de programa para a TV Bandeirantes; “Quem Kiss Teve” (1983), piloto de um programa que não foi continuado; “Avesso Festa Baile” (1984), episódio de programa da TV Cultura proibido de ser exibido na época; e “Heróis 2” (2003), um de seus últimos e mais significativos trabalhos e que integra um projeto iniciado ainda em 1987.
A ABVP (Associação Brasileira de Vídeo Popular) chegou a agregar 250 organizações, entre elas a TV Viva, de Olinda, e a TV Maxambomba, do Rio de Janeiro, que estarão com trabalhos em exibição na Mostra. A TV Viva retratava a realidade cotidiana dos bairros de Olinda, exibindo esses trabalhos em telões que circulavam por Recife. Os vídeos são “Amigo Urso” (1985), que faz humor com a pergunta “todo brasileiro é corno?”, questionada ao acaso pelas ruas; e “Brasilino” (1985), no qual dois repórteres conversam, de maneira irreverente, com várias pessoas questionadas sobre os rumos do Brasil no pós-ditadura.
Por sua vez, a TV Maxambomba, na Baixada Fluminense, fomentou o projeto de TV comunitária ao mobilizar os moradores da região a produzirem vídeos tratando do cotidiano e de suas questões, com intuito de serem exibidos em praças públicas de 40 bairros. “Eleições Lindomar Ribeiro” (1990) e “Um Preto Velho Chamado Catoni” (1998), com suas provocações na política e na sociedade, trafegando entre a realidade e a ficção, são exemplos do tipo de produção que a Maxambomba realizava.
Já os filmes “TV Cubo 1 e 2” (1986 e 1987), de Marcelo Masagão, é a gravação de uma transmissão de TV pirata, e foi ao ar pelo da zona Oeste da cidade de São Paulo, que antes tinha feito interferências em canais convencionais como a TV Cultura e o SBT com um recado aos “tele humanos”. O experimento é original e sucede a experiência de Masagão na rádio anarquista Xilique no ano anterior.
Ainda integram a Mostra Histórica “Avenida Brasilia Formosa” (2010), de Gabriel Mascaro; “Olho de Gato Perdido” (2009), de Vitor Graize; e “A Luta do Povo” (1980), de Renato Tapajós.
Mostra comtemporânea
Nos longas e médias-metragens, com curadoria de Francis Vogner dos Reis, chama atenção para a produção contemporânea brasileira que, de alguma forma, dialoga com o passado para reconfigurar questões do presente. Seja pelo documento, pela memória, pelo autoquestionamento ou pela reflexão de como materiais afetivos ou concretos ainda nos servem.
Inserido nas sessões Cine Vila Rica, “Cadê Edson?”, de Dacia Ibiapina, fala não só de um ataque da Polícia Militar a uma ocupação em Brasília, mas principalmente à maneira como a grande mídia (que, ao seu modo, constrói um tipo de memória do imaginário), trata esse tipo de situação. “Seres, Coisas, Lugares”, de Suzana Macedo, parte da literatura de Guimarães Rosa, em especial o conto “O recado do morro”, para buscar a realidade que o inspirou, tratando, assim de uma memória que está nas letras. “Os Olhos na Mata e o Gosto na Água”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes trazem para a tela as história de um passado distante em uma pequena comunidade no Sul do Brasil. “A Jangada de Welles”, de Firmino Holanda e Petrus Cariry, retoma a estada do cineasta Orson Welles no Brasil do começo dos anos 1940, mesclado a memórias do Estado Novo e da luta de jangadeiros por direitos trabalhistas.
Ainda que sem as sessões na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, a CineOP mantém o Cine-Praça, mesmo que virtualmente, com filmes de temas e abordagens com diálogo imediato com o público. “Dorivando Saravá – O Preto que Virou Mar”, de Henrique Dantas, aborda conceitos da vida e obra de Dorival Caymmi através de poéticas praieiras concebidas a partir dos seus trabalhos de pintura e composição. “Banquete Coutinho”, de Josafá Veloso, parte de um encontro filmado com o diretor Eduardo Coutinho em 2012 e vasto material de arquivo para retratar as inquietações do realizador, que morreu dois anos depois. Também em pré-estreia, “O Filme da Minha Vida”, de Alvarina Souza Silva, a cineasta retoma a própria vida e trajetória para pensar a situação de crise do audiovisual no atual governo federal . Já o longa “José Aparecido De Oliveira – O Maior Mineiro do Mundo”, de Mário Lúcio Brandão Filho, Gustavo Brandão, documenta a trajetória do jornalista, deputado federal, secretário de Estado, ministro de Estado, governador e embaixador José Aparecido de Oliveira. “Helen”, de André Meirelles Colazzo, apresentam o cotidiano e desejos juvenis.
Na Mostra Contemporânea de curtas-metragens, com curadoria de Camila Vieira, a seleção de 11 títulos se espalha também pelos recortes do Cine-Praça, Cine-Teatro e Cine Vila Rica e abrange diferentes modos de manifestações de processos histórico-sociais nas imagens cinematográficas e suas relações entre passado e presente. Alguns realizadores fabulam narrativas que podem assimilar ou recusar as contradições do presente, outros buscam resgatar vestígios do passado pela manipulação de imagens de arquivo.
No Cine-Praça, filmes como “As Constituintes de 88”, de Gregory Baltz, ou “A Viagem de Seu Arlindo”, resgatam imagens e imaginários de tempos da história nacional ou da intimidade de personagens retratados para ressignificar seus próprios sentidos. “Dona Cila, Não me Espere para o Jantar”, de Carlos Segundo, foi feito no contexto da pandemia e reflete sobre o isolamento social pela chave da ficção científica. Por sua vez, “Mãtãnãg, a Encantada”, de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, retrata rituais Maxakali através da animação.
Na sessão Cine Vila Rica, “Acabaram-se os Otários”, de Rafael de Luna e Reinaldo Cardenuto, e “Extratos”, de Sinai Sganzerla, se utilizam de fotografias e documentos para reconstituírem memórias audiovisuais de filmes e figuras importantes do meio. Questões da negritude e da memória negra aparecem em “E no Rumo do meu Sangue”, de Gabriel Borges, e “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, de Rodrigo Ribeiro.
Por fim, os curtas do Cine-Teatro trabalham a abordagem de comunidades e culturas singulares representadas sobre outras possibilidades de olhar, casos de “A Fome de Lázaro”, de Diego Benevides, sobre as celebrações a São Lázaro, na Paraíba; “Abdução”, de Marcelo Lin, que retrata um morador da comunidade Aglomerado da Serra, na periferia de Belo Horizonte; e “Relatos Tecnopobres”, de João Batista Silva, que segue, como se num documentário, as ações dos guerrilheiros de uma comunidade subterrânea contra forças de repressão cyberburguesa.
Em parceria com a TV UFOP, a 15a Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP apresenta duas sessões de curtas-metragens brasileiros realizados em universidades, escolas de cinema ou núcleos de formação em audiovisual, que serão apresentados exclusivamente na TV UFOP.
Mostra preservação
Dedicada a filmes do passado, a mostra da Temática Preservação de 2020 vai exibir a versão recém-restaurada de “Pixote, A Lei do mais Fraco” (1980), de Hector Babenco. A restauração foi viabilizada pelo World Cinema Project, que já recuperou 41 filmes de 25 países. “Pixote” é o segundo brasileiro trabalhado pela entidade, organização sem fins lucrativos fundada em 1990 por Martin Scorsese. O primeiro foi “Limite” (1930), de Mário Peixoto.
A sessão de curtas-metragens da Mostra Preservação foi preparada pela ABPA (Associação Brasileira de Preservação Audiovisual), com filmes das décadas de 1950 a 80 digitalizados em arquivos, cinematecas e iniciativas diversas, de forma a difundir e conscientizar o público sobre o patrimônio audiovisual brasileiro. E a mostra se completa com a exibição de “Fotografação”, de Lauro Escorel, ensaio sobre a percepção imagética e a importância da fotografia ao longo de mais de um século.
Mostra Educação
Na primeira sessão do recorte de filmes da Temática Educação, serão apresentados trabalhos audiovisuais que se relacionam com a pandemia: isolamentos, encontros e desvios possíveis, efeitos do afastamento nas relações sociais e de aprendizado, pela onipresença do vídeo como janela de comunicação e pelas necessidades de outros tipos de afetos.
Adultos, jovens e crianças, professores e cineastas, diante do ambiente mais cotidiano possível, registraram jardins, hábitos, parentes e inquietações, ora como um documento audiovisual e histórico da pandemia, ora como um gesto de cinema brincante. Serão 3 sessões com 11 trabalhos selecionados especialmente para a CineOP e comentados e discutidos ao vivo a partir dessas perspectivas.
Outra série, são os 37 curtas-metragens produzidos no Brasil por educadores, estudantes e cineastas no contexto escolar e espaços não-formais de ensino, que serão também exibidos e comentados. Por fim, acontece a sessão de médias-metragens do projeto Nehemongueta Kunhã Mbaraete, que consiste na troca de vídeo-cartas entre as professoras e suas experiências pessoais da perspectiva indígena e não-indígena.
Cine-escola e Mostrinha
Mesmo com o distanciamento social e as sessões em ambiente virtual, o Cine-Escola segue no objetivo de formação de novos públicos e olhares para o cinema brasileiro. As sessões contêm curtas adequados para cada uma das faixas etárias montadas na seleção: entre 5 e 7 anos; de 8 a 10 anos; entre 11 e 13 anos; e a partir de 14 anos, faixa inclusive que contará com o longa-metragem “Meu Nome é Daniel”, de Daniel Gonçalves, sobre o cotidiano do cineasta, portador de deficiência.
A sessão Mostrinha vai ser composta pelo longa “Para’í”, de Vinicius Toro, que acompanha a história da menina guarani Pará, que mora com sua família na menor terra indígena do país. Uma história repleta de aventuras que vai emocionar pais e filhos.
Sobre 15ª CINEOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto
Idealizada e realizada pela Universo Produção em edições anuais e consecutivas, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto é uma mostra audiovisual que estrutura sua programação em três temáticas de atuação: preservação, história e educação. Chega a sua 15ª edição, de 3 a 7 de setembro de 2020, reafirmando o propósito de ser instrumento de reflexão e luta pela salvaguarda do patrimônio audiovisual brasileiro em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo – centra o foco no cinema como patrimônio, na história, memória em interface com o cinema contemporâneo e ações educacionais.
Serviço
15ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto | 3 a 7 de setembro de 2020